quinta-feira, 8 de agosto de 2013

ZICA BÉRGAMI, EM SEU CENTENÁRIO: LUZ QUE PERMANECE



De 1958 para cá, não há quem não conheça o célebre  Lampião de Gás, gravação  de Inezita Barroso.

A autora desta música tão rica em sua simplicidade é Elisa Campiotti  Bérgami, a Zica  Bérgami, nascida em  10 de agosto de 1913, em Ibitinga, e falecida em São Paulo no dia 16 de abril de 2011. Na verdade, ela foi também escritora e desenhista, e colaborou ilustrando matérias do antigo  Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, com expressivos desenhos a bico de pena. Já muito idosa, foi homenageada com uma linda exposição de seus trabalhos a óleo, e pelo que se depreende da reportagem feita com ela para a televisão, nessa oportunidade, continuava tão espirituosa como sempre foi.

Conheci Dona Zica pessoalmente, no início dos anos oitenta, através de Inezita Barroso, que me  deu seu contato. Os dados publicados sobre ela em  meu livro Mulheres compositoras – elenco e repertório,  foram fornecidos por ela mesma.

No  LP Inezita apresenta cinco autoras, também de 1958, a gravação é de suas músicas Chuvarada e O Batateiro, em que ela relembra um pregão de sua infância. Perguntei por que Lampião de gás não havia sido gravada nesse LP, e ela me contou que na época ainda não havia composto esta música, que seria seu maior sucesso. Esse LP, que é a  primeira  gravação  feita   no Brasil  só com obras compostas por mulheres, foi o tema do primeiro texto deste blog.

Nessa tarde dos anos oitenta, em Pinheiros, onde ela morava, Dona Zica me contou que  tinha composto  mais 78 músicas,  que estavam ainda inéditas. Já neste século, comprei um CD com mais 13 de suas músicas, gravadas com muita verve  por Zezé Freitas, acompanhada por um time de primeira linha, com produção de Filó Machado.

Nem tudo é saudosismo nas letras cantadas por Zezé Freitas, mas tudo é, com certeza, uma brasileirice cabocla, inclusive na fala de caipira, que ela imita muito bem.  E muito da mais fina ironia que caracteriza  nosso interiorano, como  Eu vou pra lua e  Pimenta no rock. Há também o sofrimento do pobre muito pobre, como Abana o fogo e  Gafanhoto chegou! 

Se não me engano, Dona Zica me disse que tinha fazenda, ou cresceu em fazenda, o que explica essa escolha por um nacionalismo bem popular. Esse é o tom de seus desenhos, de seus quadros, de seus escritos.

E talvez seja essa também a grande herança de Dona Zica: ver as coisas em seu lado mais humano. Ela ri das pretensões de chegar à lua, caçoa dos imitadores do rock americano , se emociona com a pobreza endêmica de nosso povo,  fala com saudade de uma tecnologia absolutamente superada, mas que iluminou sua infância ... É sua vida, no que ela viveu ou presenciou, que está ali em suas canções.  É sua vida que está em seus quase cem anos de escritos, desenhos, quadros. Todos simples, como ela. Todos muito, muito humanos.

terça-feira, 26 de março de 2013

A DISCOTECA ONEYDA ALVARENGA E AS MULHERES COMPOSITORAS



Neste mês de março de 2013, em que vejo e sinto com alegria o reconhecimento de tantas mulheres compositoras, brasileiras ou estrangeiras, clássicas ou populares, creio que devo dar notícia da importância que a Discoteca Oneyda Alvarenga teve em minha pesquisa sobre esse tema. 

Essa pesquisa, que teve como resultado a edição do livro MULHERES COMPOSITORAS – ELENCO E REPERTÓRIO, escrito por mim e publicado em 1987 pelo convênio Roswitha Kempf Editores / Instituto Nacional do Livro, foi inteiramente realizada com o material da Discoteca Pública Municipal, nome que a entidade teve até 1975. Livros, discos, partituras, catálogos de autores e periódicos da Discoteca foram utilizados, e ainda contatos e catálogos de autores de outras entidades congêneres.

A Discoteca Pública Municipal foi criada em maio de 1935 por Mario de Andrade, para servir de subsídio para uma Rádio-Escola que não foi implantada, e na qual os concertos irradiados seriam acompanhados de comentários. Ela teve aceitação geral da população que, nessa época, apenas começava a vivenciar a experiência de ter acesso às gravações e  à radiofonia. Integrada em um sistema mais amplo, que constituía o Departamento de Cultura, a Discoteca foi mantida, enquanto as outras seções, que trabalhavam da mesma maneira articulada, foram sendo pouco a pouco minadas e terminaram por desaparecer.

Foi pelo selo da Discoteca que, na década de quarenta, muitos autores hoje consagrados tiveram oportunidade de ver suas obras gravadas. E as compositoras não foram excluídas: Clorinda Rosato e Dinorá de Carvalho foram  gravadas por Arnaldo Estrella; ambas receberam prêmios em concursos musicais organizados pelo Departamento e depois suas obras foram levadas a público no Teatro Municipal, principalmente pelo Coral Paulistano. Helza Cameu foi premiada com seu Quarteto de Cordas, que foi estreado pelo Quarteto de Cordas Municipal...

O mais importante, entretanto, é ver, no meio de todo este material de natureza diferente, uma unidade de pensamento  que Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga tiveram, buscando de todas as maneiras dar subsídios a quem quisesse se aprofundar em um tema dentro do assunto música. Assim como eu mesma tive a oportunidade de levantar um grande elenco de compositoras de diversas nacionalidades, tanto eruditas quanto populares, ou de salão, ou de obras didáticas,e um repertório composto por elas, de mais de cinco mil abonamentos, muitas outras pessoas também tiveram oportunidade de pesquisar variados assuntos. Só para dar uma ideia da importância desse acervo, uma das primeiras teses defendidas na Universidade de São Paulo para a pós-graduação no Departamento de Música da ECA  teve como ponto de apoio o material da Discoteca Oneyda Alvarenga.

De início, a Discoteca deveria favorecer os músicos no conhecimento de obras importantes, através de suas irradiações, depois transformadas em Concertos Públicos de Discos. E fornecer material de caráter folclórico, para conhecimento dos compositores, que poderiam assim criar uma escola nacionalista, o que em grande parte aconteceu. Quantas outras pesquisas se poderiam fazer a partir desse maravilhoso acervo? Quantos outros livros poderiam ser escritos? O número é, certamente, muito grande. Mas a importância da Cultura é imensurável...